Da minha parte, nem do jornal que represento, nunca houve vontade de desqualificar um clube como Grupo Desportivo Recreativo Textáfrica, histórico por ter conquistado o primeiro Campeonato Nacional no Moçambique independente, mas também pelos homens que construiu, sendo o seu maior exemplo Ângelo Jerónimo, futebolista de eleição na sua era, que mais tarde se tornou dirigente, marcando uma era juntamente com figuras como a de Zé Luís, um dos melhores guarda-redes nascidos nesta Pérola do Índico, Miguel, Sebastião, Nené, Boror, Vasco, Mussa, Djão, Zé Pedro, entre outros valores que tornaram a colectividade “fabril” numa colectividade de referência, respeitada no país antes e depois da independência.
Infelizmente, com o tempo o clube perdeu, gradualmente, o peso que outrora ostentava, sobretudo após a “reforma” desses nomes que deram o primeiro título aos “fabris”.
Ainda tenho gravado na minha mente que no início da década de 70, mesmo sendo adepto de outra colectividade (Sporting/Maxaquene), já nutria simpatia e admiração pelo clube de Vila Pery, que passou a se chamar Chimoio e, mais tarde, quando abracei o jornalismo desportivo as conversas com os meninos desse tempo avivam as memórias e lembro o bom futebol praticado pelo Textáfrica, replecto de pormenores técnicos bastante apurados e que nos faziam desejar ser como eles no futuro.
De tempos em tempos, o Textáfrica perdeu o estatuto de grande do futebol moçambicano no sentido prático, passando a ser um clube de ambições menores até chegar ao objectivo de entrar para um campeonato para lutar pela manutenção.
Vários dirigentes, incluindo Ângelo Jerónimo, tentaram mudar de paradigma, mas encontraram sempre um empecilho chamado “condições financeiras”. Esse era um elemento que praticamente destruiu a vida do embondeiro de Manica e do país. Sem dinheiro não se podia suportar as despesas, sobretudo disputar um campeonato, no sistema clássico, com a obrigação de pagar salários, acomodar também jogadores contratados de outros pontos do país e a inevitável despesa da logística nos jogos realizados fora da Soalpo. Aliás, este sempre foi o “calcanhar de Aquiles” de todas as colectividades sem um “sponsor” digno desse nome, e com o Textáfrica não foi diferente.
Durante a semana passada, o Textáfrica, ao contrário do que vinha acontecendo anteriormente, assumiu estar em crise. Foi da boca de Sérgio Pereira, o seu presidente, que veio o “grito de socorro” às entidades económicas da província de Manica, pela necessidade de cerca de quatro milhões e duzentos mil meticais para suportar as despesas da segunda volta do Moçambola.
No momento da Conferência de Imprensa, e antes do jogo com o Costa do Sol, os jogadores pararam de treinar (17 de Setembro) em reivindicação ao não pagamento de três meses de salários e no mesmo instante chegou-nos a informação de que o técnico Suleimane Barros, afastado do comando técnico após o empate frente ao Ferroviário de Nampula, a 28 de Junho, ainda encontra-se no Chimoio por falta de condições para regressar a Maputo, onde tem a sua residência. Nos quatro meses que esteve no comando técnico, Suleimane auferiu apenas mês e meio dos seus honorários.
Soubemos que, depois do seu afastamento, por motivos não desportivos, e por isso espaço para rescisão por justa causa, as partes (direcção e treinador) desenvolveram apenas conversas e não há absolutamente nada escrito no papel.
A acção actual do Textáfrica fez-me recuar para recordar que nas primeiras informações sobre a crise do Textáfrica Sérgio Pereira insinuou que o jornal pretendia prejudicar a sua colectividade, desmentindo a crise. Numa conversa telefónica, lembro-me, aconselhei-lhe a enveredar pela verdade e dizer publicamente o que estava a acontecer na Soalpo, uma vez que não eram poucas as vezes que os jogadores paralisaram as actividades em reivindicação ao atraso no pagamento de salários.
Ao invés de reflectir sobre o que lhe disse, engendrou uma comunicação à imprensa para mostrar que “estava tudo bem” e ainda usou o jogador mais velho do plantel para consubstanciar a sua mensagem, mas os seus colegas, sentindo-se traídos, em seguida entraram, uma vez mais, em greve.
Percebi que Sérgio não sabia, de facto, com quem estava a lidar. Quis dar a entender que o Joca Estêvão era igual àqueles que vendem a sua dignidade, e por “batatinhas”, insinuando que este tinha sido usado por alguns clubes para retirar-lhe jogadores preponderantes, num período que decorriam as inscrições da segunda janela de transferências (a meio da época).
Mesmo com o seu posicionamento, os tais jogadores não resistiram às condições inadequadas oferecidas a um atleta de alta competição. Saíram para prosseguir a sua actividade em outros clubes, sem passar por muitos riscos.
Confesso ter ficado feliz pelo facto de a máscara ter caído na Soalpo, mas também pela humildade de Sérgio, finalmente, ter assumido o que sempre esteve aos olhos de todos, o que motivou, inclusive, a perder a sua licença retirada pela Comissão de Licenciamento de Clubes, que reuniu as provas para o “sentenciar”. Pena que a direcção da Federação Moçambicana de Futebol tenha pactuado com a violação dos direitos dos profissionais.
Para já serve aquela frase que considero mágica. “Antes tarde do que nunca”.