Fernando Pessoa, com a sua genial capacidade de traduzir o ser humano, disse que “o poeta é um fingidor. Finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente.” Aproprio-me destes versos para reflectir sobre o jornalista, que, tal como o poeta, é um fingidor. Ele constrói dores, histórias e narrativas com tal intensidade que, muitas vezes, elas se tornam parte da sua própria existência.
Que fique claro: estas linhas não são um desabafo de um fedelho mimado, mas um tributo sincero. Um reconhecimento merecido, uma vénia a alguém cuja grandeza é inquestionável. Como bem descreveu Júlio Manjate, jornalista e agora Presidente do Conselho de Administração da Sociedade do Notícias, Almiro Justino Santos – o nosso “Mano Miro”, “bro” para alguns, e, para mim, companheiro e eterno director – é dono de “irrebatíveis qualidades humanas, éticas e profissionais”.
O dia 7 de Maio de 2025 deveria ser um daqueles dias em que a máquina do tempo decidisse parar, ou talvez até deixar de existir. Foi o dia em que o “Desafio” perdeu uma das suas peças centrais, um pilar da sua espinha dorsal: Almiro Santos. Uma figura afável, líder nato, capitão de equipa e mentor. Quem não gostaria de o ter ao lado?
Mas quis o buliçoso Conselho de Administração da Sociedade do Notícias, “na necessidade de reorganizar e imprimir uma nova dinâmica no funcionamento da redacção do jornal Domingo…etc, etc ”, que o Justino deixasse o “Desafio” para assumir novas funções. E assim, tiraram de nós o carregador do piano, o cérebro por trás das operações, o verdadeiro capitão do barco, o homem do leme!
A confirmação chegou como um abalo sísmico. Um terramoto de magnitude 9,5 na escala de Richter, como o maior alguma vez registado no Chile e no mundo, em 1960. Confesso: senti-me como uma cria de toupeira, perdido.
“Vana va ndota, vatafana ni vana va mbeva” – os filhos de um grande homem ficam como crias de uma toupeira. Esta expressão, extraída da música “Vana va Ndota” dos Ghorwane, reflecte com precisão o que sentimos. A composição, cantada em xichangana, aborda o sofrimento de uma família após a perda do seu provedor. Embora o Almiro esteja vivo, e bem, a metáfora transporta-nos para o impacto da sua ausência nas trincheiras do “Desafio”.
“Vana va Ndota” é uma obra-prima que metaforiza o vazio deixado por grandes figuras. E, para nós, companheiros da Redacção, a saída do Almiro é um desfalque sem paralelo. Estamos desfalcados, sim — mas firmes. Determinados em manter viva a mística que ele nos ensinou, a chama acesa do jornalismo sério, ético e apaixonado. O nome de Almiro Santos firmou-se como uma marca indelével no jornalismo moçambicano — e não só. Ele é uma marca identitária. Um homem invulgarmente culto.
Nasceste com a paciência de China, àquela que sabe domar até às almas possessas e com os mais estranhos temperamentos de bipolaridade, és um ponto de equilíbrio, Justino!
Almiro Santos é uma marca indelével no jornalismo moçambicano. Um homem de erudição rara, um mestre no ofício de contar histórias com arte. Com a sua inteligência inquieta, caracterizada por momentos de devaneios cognitivos e fértil mente, desperta em todos nós o desejo constante de aprender, de imaginar, de criar. Seja no “whatsapando em cima do murro”, seja no “xingufo” ou nos discursos improvisados, Justino é um catalisador de ideias, um inspirador de mentes nato.
Saiba, Justino, que a sua saída nos deixa um legado de liderança, integridade e paixão pelo jornalismo. Inspirados por si, seguimos em frente, determinados a honrar o seu nome, que já se firmou como uma marca identitária de excelência.
Continue a inspirar-nos, a nós e às gerações vindouras. Aprendi consigo o verdadeiro sentido de pertença, o trabalho e amor à camisola, mesmo quando era obrigado a engolir os sapos das injustiças que o severo capitalismo nos impõe. Bolas, continuamos na inglória luta por alguma dignidade. Mas, essa é outra conversa. Bem dizia que os jovens deveriam aprender mais sobre o que é isso de pertença. Se calhar precisaríamos daquelas tertúlias depois do fecho e leva-los a extensão da “Timor Leste” ou da feira para que conheçam o lado “B” de uma Redacção… Aqui, no “Desafio”, a sua ausência permanece viva e pulsante em nós.
Mas, saiba, ó Justino: estamos às avessas!