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AFROBASKET

ANÁLISE: AFROBASKET FEMININO 2025 – E NÓS?

Por: Henrique Aly*

O recém-terminado Afrobasket feminino, que decorreu em Abidjan, na Costa do Marfim, foi um sublinhado das diferenças de latitude e altitude que cada vez mais marcam a prática do basquetebol em terras da África lusófona, da perspectiva competitiva que orienta anglófonos e francófonos.

Da Nigéria, pentacampeã inédita, a acumular o seu sétimo título na prova, ao Mali, vice-campeão pela segunda vez nas últimas três edições da prova,  Sudão do Sul, estreante de bronze, ou ao crónico candidato ao título Senegal, que ostenta incomparáveis onze coroas de campeão africano, a fórmula repete-se; é longe da circunscrição doméstica onde se faz o recrutamento de atletas que, providas de uma capacidade competitiva diferenciada, por evoluírem em palcos mais aprumados, fazem toda a diferença na hora de defender as cores e a honra dos seus respectivos países na cimeira continental.

Entre as filhas de emigrantes e atletas que em idade menor partiram de África para os EUA, Canadá e países europeus contei apenas três atletas que actuam em solo africano, entre os quatro primeiros classificados do Afrobasket-2025.  

A “AMERICANIZADA”

Não admira, portanto, que a Nigéria “americanizada”, ou será o contrário, tenha uma vez mais imposto a sua vontade e vincado a sua supremacia. O Mali, das “espanholas e francesas”, foi incapaz de contrariar o poderio das “D’Tigress”, apesar da belíssima proposta que apresentou no torneio, com processos refinados e elegância gazelar.

Num clone autêntico do processo masculino que deu nas vistas no torneio olímpico de Paris em 2024, o Sudão do Sul não fugiu à regra da “americanização” e, sem surpresa, pelo menos para os mais atentos, estreou-se na prova continental com um honroso terceiro lugar, deixando um sinal claro, mas não inequívoco, de que talvez o continente berço da humanidade tenha ganhado mais um representante de peso (e altura) para os despiques no concerto das nações.

E NÓS?

Desde que conquistou o segundo título africano em 2013, naquela reunião de família embalada por marrabenta e kuduro, em Maputo, Angola entrou numa espécie de descida em contra-relógio; do 4.º lugar em 2015 chegou, uma década volvida, ao seu pior registo: três derrotas e um desdignificante 10.º posto entre 12 participantes. Moçambique, o vice de 2013, desta vez pisoteado pelo Mali e humilhado pelos Camarões, terminou num decepcionante 6.º lugar, o pior registo dos últimos 10 anos.

Como se percebe, desde que olharam para a África de cima para baixo, há 12 anos, as irmãs MOÇANGOLA “desevoluíram” em ritmos diferenciados, mas com similar (in)consistência, numa cadência que atemoriza e a todos convoca para uma reflexão séria sobre o que se está a fazer, ou deixar de fazer, nos dois países para que tanto talento se tenha tornado inexpressivo e seja banalizado.

AS PROVAS DOMÉSTICAS

PERDERAM QUALIDADE

Terão os processos de formação estagnado e desacompanhado a tendência universal? Haverá menos investimento nas diferentes cadeias do processo formativo e competitivo? Estará a faltar uma recapacitação dos quadros técnicos nos mais variados níveis? Deveremos cabular e replicar os modelos adoptados por anglófonos e lusófonos, correndo o risco de desvirtuar parcial ou completamente os padrões e filosofias de jogo que antes nos levaram ao topo da pirâmide?

Claramente, haverá muitas outras questões pertinentes e respostas escassas para as mesmas, mas a radiografia do momento actual escancara uma realidade incontornável – as provas domésticas em Angola e Moçambique perderam qualidade, os campeonatos nacionais de seniores femininos mais não são do que uma reedição dos torneios de Luanda e Maputo com um “rebranding” que lhes dá estatuto nacional, mas não escondem a dimensão minúscula de provas que se assemelham a um banquete elitizado, ao qual comparecem apenas os membros de uma falsa nobreza.

É deste quadro descompetitivo que saem as representantes dos nossos países.

Seguramente, os responsáveis técnicos, bastas vezes injustiçados na dose de responsabilidade que lhes é imputada quando há insucesso desportivo, seleccionam as melhores dentre as melhores; mas as nossas melhores, com todo o respeito que se lhes deve, já não são capazes de ombrear com as melhores dos outros – é como se tivéssemos parado no tempo, enfeitiçados por uma paisagem deslumbrante que acreditamos ser a mais fascinante de todas, sem percebemos que perdemos o comboio do tempo e com ele a possibilidade de visualizar muitas outras paisagens, ainda mais apaixonantes do que a nossa – estagnámos nos processos, afunilámos o campo de visão, mas teimamos na convicção, reclamando o direito que nos assiste de estar errados.

É POSSÍVEL ANGOLA E MOÇAMBIQUE

VOLTAREM A DISPUTAR UMA FINAL?

Angola e Moçambique são nações do basquetebol por tradição, herança genética e excelência. Precisamos de resgatar o estatuto que um dia nos pertenceu por direito e sem olhar para os culpados, devemos todos contribuir com soluções viáveis, devidamente contextualizadas, sustentáveis e rigorosamente enquadradas nas nossas realidades objectivas. É possível Angola e Moçambique voltarem a disputar uma final do Afrobasket feminino, como o fizeram naquela inesquecível noite de Setembro de 2013, quando Nacissela Maurício e Deolinda Nugulela encantaram mais do que qualquer americana nigerizada e em português fluente disseram: “we are the best”.

*Jornalista da SuperSport

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