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Zuneid Sidat (direita) apadrinhou a chegada de Bruno Langa ao Setúbal em 2020
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ENTREVISTA

TRABALHAR COM JOGADORES É UM INVESTIMENTO ARRISCADO

Zuneid Sidat é dos agentes-FIFA moçambicanos que mais movimenta futebolistas pelo mundo fora. Dono do passe de dez atletas, dentre os quais os internacionais dos “Mambas”, nomeadamente Bruno Langa, Witi, Edson Mucuana e Kenys Abdala. Proprietário da Managing Football Stars (MFS), agência de jogadores, Sidat abraçou a profissão (Agente-FIFA) em 2012, numa altura em que o futebol nacional era um terreno completamente virgem por explorar nessa arte de agenciamento de jogadores.

Encaixou-se perfeitamente nessa função, reflexo disso é que no ano seguinte (2013) mudou-se para Portugal para a partir de lá desenvolver contactos de modo a “importar” futebolistas moçambicanos para as terras lusas. Em 2012, o avançado Jerry, na altura no Ferroviário de Maputo, foi o primeiro a beneficiar do atrevimento do jovem empresário. Depois do “Kanguru”, Mexer, Zainadine Jr., Witi, Clésio e Reinildo foram alguns dos muitos atletas que viriam atravessar a fronteira para experimentar o exigente futebol europeu pelas mãos de Zuneid Sidat, que numa entrevista ao desafio conta, entre outros assuntos, que  decidiu abraçar a profissão porque queria muito ajudar a Selecção Nacional a chegar ao “Mundial” e só tinha uma maneira: levar os jogadores para o futebol profissional.

 Como tem sido a sua experiência de agenteFIFA ao longo de 13 anos neste ramo?

 Como todo o trabalho, diria que é desafiante. No início, sobretudo em Moçambique, era uma função pouco compreendida. Era entendida como uma forma de tirar o pouco que os jogadores ganham, ou que estava para promover os seus atletas, quando é totalmente o contrário. Aliás, o tempo provou-nos mesmo isso, tanto é que hoje me sinto respeitado e valorizado, sobretudo em Moçambique. Quando comecei vendi um sonho, o de estar no “Mundial”. A caminhada passava por tirar jogadores moçambicanos para o estrangeiro para que tivessem uma qualidade competitiva desejável. Hoje, passados 10 anos, estamos na luta para estar no “Mundial”. Mas a meio temos duas participações consecutivas no CAN, com uma selecção constituída maioritariamente por atletas que militam no estrangeiro. Despertámos o talento moçambicano no estrangeiro.

 Quais têm sido os prós e contras desta profissão. Acredita que a concorrência é enorme no exigente mercado europeu?

- Sem dúvida que esta é uma profissão com um grau de exigência e concorrência elevadíssima, sobretudo no panorama europeu. A MFS decidiu apostar com mais força no mercado moçambicano — uma escolha desafiadora, mas alinhada com o nosso propósito: contribuir para o desenvolvimento do futebol nacional e, quem sabe, um dia chegar ao “Mundial”.

Ainda vivemos muitas limitações no processo de formação local. Enquanto em outras regiões os atletas começam a formação aos 4 ou 5 anos, em Moçambique muitos atletas chegam-nos com lacunas técnicas, físicas e tácticas. Lidamos com talentos brutos, muitas vezes desvalorizados pelos próprios resultados da selecção, e transformá-los em atletas prontos para o futebol europeu exige um trabalho meticuloso. Mas, mais do que barreiras, vemos isso como uma missão — e é exactamente aí que se mede o verdadeiro valor do nosso trabalho.

- Como tem visto o futebol moçambicano? Há algum jogador que gostaria de contar?

-Adoptamos sempre uma estratégia responsável: só levamos um atleta por janela. Enquanto os que já estão lá fora não se afirmarem, não faz sentido desviar o foco ou recursos. A afirmação no estrangeiro requer muito tempo, acompanhamento e investimento — algo que poucos entendem, mas que é fundamental para construir carreiras sólidas.

 Por que razão a sua agência está muito conotada aos jogadores da Liga Desportiva e ABB?

- Porque é simplesmente mais fácil trabalhar com esses dois clubes. Ao contrário de outros, têm uma postura mais aberta e flexível no que toca à gestão de carreiras dos seus jogadores. Por exemplo: a ABB tem a “Champions”, mas deixou o Chaimito ir para Portugal. Da mesma forma, a Liga Desportiva, mesmo estando numa fase delicada do Moçambola, permitiu a saída do Momed para o Benfica, o que acabou por ditar uma descida de divisão. Isto mostra abertura em não cortar a perna aos atletas e pensar no futuro deles.

Vou dar dois exemplos, olhando para o lado oposto. Para mostrar que o problema não está de todo na MFS: há alguns anos, quando o Kaizer Chiefs quis o Diogo, tentei, como representante, falar com o Ferroviário — até enviei um e-mail formal — mas bloquearam a saída. Ou o caso do Reinildo: mandei uma proposta ao Ferroviário da Beira, sequer respondeu. Resultado? O jogador saiu livre, foi para a Liga, assinou com prémio e depois foi para fora. Só aí ficaram ofendidos, mas a oportunidade já tinha passado. Se não fosse essa postura, talvez hoje o Reinildo ainda estivesse na Beira. No entanto, hoje estão a colher frutos financeiros devido ao mecanismo de solidariedade de um atleta que bloquearam a saída.

No fundo, a vida é feita de escolhas — colhemos os frutos das decisões que tomamos. E neste caso, há clubes que sabem trabalhar a pensar no futuro dos jogadores… e outros que só enxergam o presente, mesmo que isso lhes saia caro.

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