Num universo ainda amplamente dominado por homens, o futebol moçambicano começa a abrir espaço para histórias que desafiam barreiras de género, inspiram gerações e provam que o talento e a liderança não têm sexo. Uma dessas histórias é protagonizada por Cidália José, mais conhecida por Marlucy, treinadora determinada e apaixonada pela modalidade, que vem escrevendo a sua estória nas páginas do desporto no norte do país.
A sua trajectória é marcada por superação, ousadia e conquistas inéditas, entre elas, a de ser a primeira mulher a fundar e treinar uma equipa masculina profissional que conquistou o Campeonato Provincial da Segunda Divisão no Niassa.
No comando técnico do Muchenga Futebol Clube desde 2017, Cidália não só colocou a sua equipa no topo da tabela, como vem formando jogadores que hoje brilham em clubes da I Divisão.
A sua ousadia transformou-se num marco para o futebol moçambicano, desafiando estereótipos e demonstrando que as mulheres têm competência e sensibilidade para liderar dentro das quatro linhas. Em 2024, com o Muchenga Futebol Clube, alcançou um feito inédito, a conquista do Campeonato Provincial da Segunda Divisão.
ESTAMOS A TRABALHAR PARA MANTER A LIDERANÇA
“Estou feliz por ter conquistado o título. Estamos a trabalhar para manter a liderança na província. O Muchenga é uma equipa liderada por uma mulher e tem um adjunto-técnico com futuro promissor. O meu maior sonho é treinar um clube do Moçambola”, afirmou Cidália, com um sorriso que mistura orgulho e ambição.
Antes de se tornar treinadora, Marlucy brilhou como guarda-redes na União Desportiva de Lichinga, onde foi campeã nacional por duas vezes, entre 2013 e 2016, sob o comando do treinador Jifassone Bonamar. Destacou-se como melhor guarda-redes do campeonato e ergueu dois troféus. O seu amor pelo futebol começou cedo, em Nampula, no distrito de Napipine. Mais tarde, mudou-se para o Niassa com vista a dar continuidade aos estudos e acabou por representar a província nos jogos escolares.
“Decidi pendurar as botas em 2016. Já em 2017, fundei o Muchenga. Venho trabalhando com os atletas desde os iniciados, acompanhando o seu crescimento com muito empenho”, contou, revelando o vínculo emocional com o projecto que construiu com esforço e paixão.
Trabalhar com homens num contexto tradicionalmente masculino não é tarefa fácil. “Tenho boas relações com os meus atletas. Sinto-me confortável a trabalhar com homens. É preciso talento, e esse talento sempre existiu em mim”, afirmou. Inspirada por figuras como Artur Semedo, Victor Mayamba e Antoninho Muchanga, a treinadora de 38 anos não se intimida com os desafios e mantém o foco na evolução dos seus jogadores.
Apesar das dificuldades, Cidália reconhece o apoio que recebe da comunidade e das autoridades locais. “Temos ajuda do governo local e de pessoas de boa fé. Mas, como todos sabem, trabalhar no futebol sem amor à camisola é difícil. Somos resilientes para alcançar os nossos objectivos”, disse.