De uns anos para cá, toda vez que a Selecção Nacional de Futebol tem um jogo marcado, os nossos corações param. Quem acompanha o desporto nacional sabe bem o que é tremer sempre que se aproxima uma data FIFA ou eliminatória. É nesse momento que precisamos, mais uma vez, passar por uma inspecção para saber se o nosso principal estádio, o de Zimpeto, cumpre ou não os requisitos exigidos.
O medo é constante. E não só entre os adeptos. Talvez ele pese ainda mais nos ombros dos dirigentes, que se perguntam se todo o esforço — muitas vezes feito com orçamentos apertados, dívidas aos fornecedores e uma dose enorme de sacrifício — será suficiente para agradar aos olhos exigentes de quem vem inspecionar.
Chega de viver com esse medo de ver nosso principal campo reprovado. Chega de ver nossa Selecção pela televisão quando tinha que ser vista ao vivo.
O mítico Estádio da Machava, palco de momentos históricos do país, está a rejuvenescer. O movimento impulsionado pelos Caminhos de Ferro de Moçambique, no âmbito dos 50 anos da Independência, dá-nos esperança de uma nova alternativa — e, mais importante, reacende a esperança dos amantes do futebol.
Não queremos discutir se é ou não justa a exigência da FIFA por estádios que garantam condições de segurança, conforto e transmissão. Sabemos que esses padrões são importantes. O que queremos é deixar de viver sob a ameaça constante de não podermos jogar em casa. Queremos estar preparados — por nós e para nós.
Com o Machava em renovação e juntando-se ao Estádio Nacional do Zimpeto e à Arena Lalgy, Moçambique começa, enfim, a ter um leque de opções, caso se criem condições para o efeito.
E isso é crucial. Porque cada vez que o Estádio Nacional é interditado, não é apenas um jogo que se perde. É uma oportunidade de união nacional que se esvai. É um país inteiro que deixa de vibrar com os seus, que na sua maioria actuam em campeonatos que dificilmente temos acesso.
O leque de opções de campos aumentou com o Machava em renovação, mas precisamos também de aumentar nossas próprias exigências. Temos que ser os primeiros a exigir dignidade para o nosso futebol, trabalhando para termos campos preparados.
Ainda dói aquela temporada que a Associação Black Bulls foi obrigada a viver em casa alheia, Egipto, porque no país não havia condições para realizar os seus jogos e ter o apoio do chamado 12o jogador. Quando é assim não há dignidade nenhuma… convenhamos.
Lembrem-se que enquanto o futebol for tratado como algo menor, vamos continuar a perder mais do que partidas: perdemos igualmente a autoestima, perdemos identidade, perdemos, enfim, até a esperança.
Como diz Narciso Nhacila: “enquanto os Mambas ganham, poucos se lembram do preço do chapa ou do pão que subiu”. Isso acontece porque o futebol, para muitos, é o único alívio num quotidiano duro.
Mas para que os Mambas ganhem com mais frequência é preciso também ter apoio… precisam jogar em casa. Mandar em casa alugada, todos sabemos, é difícil. Aliás, os mais velhos sempre aconselham os mais jovens a terem sua própria casa como única forma que existe para poderem mandar e quiçá “tirarem camisa”.
Sabemos que, por enquanto, só ganhamos a modernização há muito reclamada – o relvado fica para Outubro – mas espero que esta renovação do Estádio da Machava simbolize também um novo capítulo. Um tempo em que deixamos de viver com medo. Um tempo em que os nossos campos sejam sinónimo de orgulho, não de incerteza. Um tempo em que sejamos, dentro e fora de campo, donos da nossa própria casa.
Porque, no fundo, cada jogo da Selecção em casa é mais do que desporto. É uma celebração do que somos e do que podemos ser. E merecemos celebrar juntos, nas nossas bancadas, sob o nosso céu.
A inspecção da CAF chega dentro de semanas, esperamos, sinceramente, que não seja um “déjà vu”… reprovação. Vamos aplicar a máxima do momento “fazer diferente para termos resultados diferentes”
PS: o “Replay”, espaço de opinião que assinei por mais de dez anos, está de volta com o meu regresso ao desafio depois de uma interrupção que durou desde Janeiro de 2022 – quando por ordem de serviço fui transferido de Maputo para Gaza e de lá para Manica – até hoje.
Sempre que se justificar vamos conversar neste espaço sobre o que nos une: o desporto, seja o de alta competição ou o recreativo.
Espero que falemos mais de alegria do que de tristezas ou preocupações.
Aquele abraço de saudades.